Participante da discussão que levou à criação do ECA
(Estatuto da Criança e do Adolescente), o coordenador do programa de cidadania
dos adolescentes do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no Brasil,
Mario Volpi, afirma que muitos avanços foram conquistados nos últimos 25 anos,
mas é preciso evitar mudanças como a ampliação no tempo internação de jovens,
como está sendo debatido no Senado.
Em entrevista ao UOL, ele diz que a "demagogia
política" leva a sociedade a discutir o jovem infrator pela ótica da
punição, sem levar em conta que várias das medidas socioeducativas previstas no
ECA não são aplicadas, como a garantia do estudo aos menores internos.
"Como reavaliar antes de fazê-lo cumprir? Temos o desafio de cumprir o que
está previsto", afirma.
Para ele, o estatuto que completa 25 anos nesta
segunda-feira (13) trouxe uma série de melhorias à vida das crianças e
adolescentes, mas é preciso encarar o desafio da desigualdade social, da evasão
escolar de adolescentes e da matança de jovens.
Veja os principais tópicos da entrevista por tópicos:
A afirmação do ECA em 25 anos
"Hoje, o Brasil é um lugar melhor para uma criança
viver. O ECA começou um processo de estabelecer campanhas de saúde, do soro
caseiro, da vacinação infantil, que resultaram na redução da mortalidade
infantil. O segundo direito está relacionado à educação. Antes, crianças não
tinham direito a frequentar uma escola perto de sua casa -- o ECA regulamentou
isso. Antes dele, menos de 80% estavam no ensino fundamental, e 97,5% estão
hoje. Outro avanço foi a gratuidade certidão de nascimento. Havia mais de 25%
das crianças sem certidão, e o ECA definiu a gratuidade da primeira via
independente da condição, e hoje temos índice de 5%. São exemplos bem claros de
que se criou um mecanismo que deu à sociedade um instrumento concreto para
demandar seus direitos."
Três desafios atuais
"O primeiro são as mortes [de jovens]. Nós tínhamos, em
1990, 5.000 assassinatos por ano, hoje são mais de 10 mil por ano. Os governos
não desenvolveram nenhum programa. Muito recentemente, foi criado o programa
'Juventude Viva', mas é de pequeno alcance. O segundo ponto é quando você
desagrega os dados e olha as crianças indígenas, por exemplo, elas têm duas
vezes mais possibilidade de morrer antes de completar um ano. Tem uma população
que precisa receber uma atenção especial, de pessoas negras e pobres. E
terceiro é o da exclusão no ensino médio. Quase 16,8% dos adolescentes entre 15
e 17 anos estão fora da escola. Como quase 100% está no ensino fundamental,
mostra que o Estado mantém a pessoa estudando por um período, mas nada garante
que ela progrida e conclua."
Unidades socioeducativas ineficazes
"É preciso rever o conjunto das medidas tomadas para
que o regime socioeducativo cumpra o principal papel, que é interromper o jovem
de praticar o delito. A sociedade pensa muito em medida punitiva, tem uma
compreensão de que o que motiva crimes é a certeza da punição. Mas tem outro
fator, que é de oportunidade que você vai dar a ele. Porque vai prender por
três, seis, oito anos? Ele vai, com esse castigo, viver bem na sociedade? É um
contrassenso. O que vai mudar é o que ele vai fazer no tempo que ficar privado
da liberdade."
Três desafios das unidades socioeducativas
"A maioria [das unidades] não tem escola como centro do
projeto pedagógico. Ou seja, se prende e não se obriga a estudar, então não
adianta. Se ele sair sem mais oportunidade de emprego, está perdendo o tempo. O
primeiro ponto então seria arrumar uma escola para garantir a qualidade de
ensino a esses adolescentes. Segundo é o espaço físico: ele precisa estar
adequado, fazendo vivência coletivas. Ele não vai aprender a respeitar a
sociedade se ele não repeitar os colegas lá dentro. É preciso enfrentar essas contradições
e gerar momentos gradativos de convivência. A terceira coisa é a equipe. Ela
precisa ter clareza do papel dela. É preciso ter orientações coerentes, não
pode ter agente que diz uma coisa, psicólogo que diz outra, professor outra. É
preciso formação permanente. Os profissionais têm muita rotatividade, não
aguentam a pressão: um acha que vai resolver sendo
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